Difícil alguém passar pelo bairro Urbis I (Casas Populares), em Jequié, Sudoeste do estado, neste final de ano e não visitar a Praça da Amizade, que virou referência na “cidade do sol” depois que moradores locais resolveram revitalizá-la por conta própria para ter melhor qualidade de vida e preservar o meio ambiente.

Desde o dia 1º de maio, quando foi oficialmente inaugurada, que a praça se tornou principal local de encontro para realização de eventos diversos de cerca de 80 pessoas que integram as 21 famílias que fazem parte da Associação Amigos da Praça, responsável pela iniciativa.

Além de moradores, a praça vem sendo utilizada para atividades escolares e já foi palco de festejos de Dia de Reis, aniversários de moradores, eventos religiosos, Dia das Mães e São João. E não só residentes do bairro, como também familiares e amigos que moram em outros bairros e cidades participam.

Este será o primeiro Natal na praça, que recebeu uma árvore de luzes em seu centro. Ao redor dela, árvores frutíferas de verdade, como pés de manga, goiaba, laranja, pinha, tangerina e amora, dentre outras espécies nativas da Mata Atlântica, estão enfeitadas com bolas, lâmpadas, animais feitos com material reciclável e piscas-piscas.

As árvores formam vários pontos de sombra na praça, tornando-a agradável para um bate-papo sentado em bancos feitos de pneus velhos ou uma leitura tendo como som de fundo o canto de passarinhos e crianças brincando no parquinho feito de madeira, latas e pneus que ia para o lixo.

E, ao menos para as crianças, o acesso à leitura é facilitado com um pequeno acervo de livros infantis que ficam guardados dentro de uma geladeira velha reformada para este fim. A geladeira fica aberta, com os livros acessíveis a quem quiser. Há ainda revistas e publicações locais.

Em cada entrada da praça há um arco para receber os visitantes, decorados com objetos natalinos. Os canteiros dos jardins são enfeitados com cerca de 1.500 garrafas pet que foram pintadas de diversas cores. Em outro espaço estão um Papai Noel feito a partir de cano e enchimentos de pano e um presépio de madeira.

“Fico muito feliz em ver a praça desse jeito. É algo que serve de exemplo para muita gente, inclusive governos, de como se cuidar de algo em benefício coletivo”, disse o taxista Jorge Luiz Silva Oliveira, 49, que mora em Salvador e até os 19 anos residiu numa casa no entorno da praça, situada entre os caminhos C e D do bairro Urbis I.

“Na época que morava aqui, mal tinha árvore, a gente até jogava bola no meio dela”, lembra o taxista, que mora no bairro Doron em Salvador e cujas filhas Malu, 11, e Lara 7, estavam ansiosas para chegar em Jequié para brincar na praça. “Foi chegando, elas desceram do carro e vieram logo para cá”, ele disse, rindo.

Enquanto andava de patinete na praça, Malu contou que no bairro onde mora não tem espaços como este para brincar. “Lá em Salvador, só vou a parques grandes, seria bom se tivessem praças como essas perto de casa. Aqui é muito legal, e tem árvores pra gente subir”, disse.

História de atitudes
Para chegar ao que está hoje, a praça teve de passar por um momento de quase “fundo do poço”. Ela já vinha sendo usada como "depósito" de lixo, que eram pendurados nos galhos das árvores, e entulho. Mas o que levou mesmo os moradores a tomar uma atitude foi em 2014, quando um vizinho resolveu jogar na praça material de esgoto doméstico.

“Tivemos de ir até no Fórum pra resolver o problema”, disse a aposentada Marilene Santos Lima, 77, que acabou virando tesoureira da Associação Amigos da Praça. “Começamos arrumando o cantinho onde hoje está o Papai Noel, depois fomos avançando até chegar onde estamos, com ela toda bonita”.

Outros moradores que também passaram a ter um cuidado diário com a praça foram o sapateiro Gabriel Ramos, que faleceu em agosto de 2017, e o eletricista aposentado Raimundo Souza, 76, conhecido como Raimundinho. Enquanto seu Gabriel avançava com os jardins e árvores, seu Raimundinho fazia as decorações com material reciclado.

Outros vizinhos se juntaram e aos poucos foram conseguindo apoio também da Prefeitura local, que liberou para a praça o uso gratuito de energia (das 18h às 0h) e água, para molhar as plantas, jardins e a grama, que é aparada pelos moradores. A Prefeitura construiu ainda o passeio em torno da praça, adaptado para cegos.

Viúva de seu Gabriel, durante décadas a maior referência em consertar sapatos de todo tipo no bairro, dona Dilta Silva Ramos, 75, está entre as que auxiliam no cuidado com os jardins. “A vida de Gabriel passou a ser essa praça, todo dia ele estava aqui, e hoje faço o trabalho dele, zelando pelas plantas”, disse.

Seu Raimundinho aproveitou a habilidade de eletricista para fazer as instalações das luzes que iluminam a praça e aproveita o máximo de material reciclado que ganha para fazer pequenos animais, de forma artesanal, e pendurar nas árvores. “É algo que me dá muito prazer: ver essa praça bonita do jeito que está”, comentou.

Presidente da Associação Amigos da Praça, a bióloga Cíntia Soares Souza, 46, responsável por colocar nas árvores placas com os nomes populares e científicos de cada uma delas, disse que logo depois que foi criada a associação passou-se a ser cobrada uma taxa de R$ 10 por mês para manutenção, mas a ideia não deu certo.

“Hoje, conseguimos manter a praça a partir dos pequenos eventos que realizamos e outras iniciativas, como vendas de bilhetes de rifas e balaios de São João e Natal. A praça não exige muito dinheiro para manter, mas é um custo que gera pra nós, e essa tem sido a forma que conseguimos fazer para dar seguimento ao projeto”, afirmou.

E a praça quer avançar mais: para 2019, estão previstas sessões de cinema, como uma que já ocorreu em outubro, em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), cujo campus de Jequié fica à beira do bairro Urbis I.

"Foi muito legal a mostra do filme e queremos fazer mais ano que vem. Inclusive, estamos buscando apoio para colocar luminárias de led na praça”, falou Cíntia.

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