Moradores de cidade com mais homicídios no Brasil rechaçam título: "Não é violenta"
22/07/2023
Com a divulgação dos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública na última quinta-feira, 20, os cidadãos de Jequié, no sudoeste baiano, viram o nome do município estampado nos principais jornais do País. A cidade com quase 160 mil habitantes ganhou o título de mais violenta do Brasil, com uma taxa de 88,8 homicídios a cada 100 mil habitantes em 2022. Parte da população, porém, questiona esses dados e defende que Jequié não é violenta.
Em uma publicação de um portal local no Instagram, os comentários ficaram divididos entre aqueles que creditavam o alto indíce de assassinatos a um despreparo da polícia baiana e aqueles que não acreditavam na publicação.
"Que notícia mentirosa é essa? Se fosse considerada a mais violenta da Bahia, não estava correto, imagine do país", escreveu uma internauta.
O radialista Demi Alves, de 48 anos, expressou a mesma indignação.
"Essa pesquisa é a mesma coisa que uma nota de 210 reais. Acredito que nenhum jequieense acredita que nossa cidade é a mais violenta", disse ele na publicação.
Em contato com o Terra, Demi explicou seu comentário. Ele não nega que a cidade de Jequié tenha um alto número de homicídios, mas essas mortes, segundo ele, não estariam afetando o dia a dia na cidade.
"As mortes são por causa de brigas por tráfico, e trocas de tiro com a polícia. Eu digo, assim, se tivesse latrocínios, estupros, ou um vizinho brigou e matou outro, mas não tem. As mortes que têm aqui em Jequié são do tráfico, que é normal, em todo lugar do mundo acontece isso", minimiza o radialista.
Ele mesmo diz que apenas nesta semana foram duas mortes na região. "Se não me engano, este ano, mais de 80 pessoas morreram em Jequié", diz.
Só morre bandido?
No mesmo dia em que o portal local Jequié Urgente publicou que o município baiano seria o mais violento do Brasil, também foi noticiada a morte do jovem João Victor, de 21 anos. Desaparecido desde o último domingo, 16, o corpo do jovem foi encontrado na noite de quarta-feira, 19.
Nos comentários da publicação, reúnem-se moradores da cidade que perderam entes ou amigos queridos para a violência. "Infelizmente os culpados nunca vai [sic] pagar pelo que fez, aconteceu o mesmo com minha namorada e até hoje a polícia não fez nada", escreveu um internauta.
Outra mulher, a operadora de telemarketing Ketllen Rocha, de 24 anos, também deixou sua opinião, acusando a Polícia Militar da Bahia de "tirar vidas de pessoas, até mesmo de inocentes". Segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a polícia baiana é a mais letal do País, com 1.464 mortes em intervenções oficiais em 2022.
No caso de Ketllen, também há uma experiência pessoal em sua indignação. Ao Terra, ela contou que perdeu o marido há cerca de uma semana, morto em uma batida policial no distrito de Cachoeirinha, pertencente a Jequié.
O marido era Jeferson Ramos Santos, de 27 anos. Ele tinha nascido no povoado, mas não morava mais lá, porque trabalhava com terraplanagem em Minas Gerais. No dia em que morreu, ele teria ido à casa de um amigo de infância para tomar uma cerveja.
"Ele não tinha ficha, não tinha envolvimento com nada. Tinha duas semanas que ele tinha chegado em Jequié. Ele ficou sabendo que a polícia tava rondando a casa, mas ele não se preocupou, porque não mexia com nada", disse Ketllen, segundo a versão que foi contada a ela pelas pessoas que estavam próximas ao ocorrido.
Os policiais teriam entrado atirando, sem fazer nenhuma abordagem. "Nem bandido morreria da forma que ele morreu, ele ficou todo perfurado", afirmou a mulher, que pretende processar o Estado da Bahia pela morte do marido.
"Jequié tem um índice de morte muito grande, toda vez que eles matam os jovens, eles usam a mesma argumentação que foi troca de tiros, só que eles nunca têm uma prova de mostrar que aquilo aconteceu. E quem fica também não tem como provar. Ainda mais nesses bairros, que não tem nem câmera", acrescenta.
Procurada, a Polícia Civil da Bahia informou que há um registro de morte por intervenção policial, na Delegacia Territorial de Jequié, mas não há a identificação do homem.
O que diz a Secretaria de Segurança Pública da Bahia
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) expõe a estratégia de atuação dos agentes: "Criminosos que atacam as forças de segurança receberão reposta proporcional e dentro da legalidade". O documento enviado ao Terra diz ainda que as ocorrências em que criminosos morrem em confronto não são contabilizadas como assassinatos, e que o número de mortes violentas em 2022 caiu em comparação com o ano anterior.
Confira a nota completa:
"A Secretaria da Segurança Pública da Bahia eslarece que, em 2022, foram registrados 5.167 mortes violentas (homicídio, latrocínio e lesão dolosa seguida de morte), número 5,9% menor do que em 2021, quando foram contabilizados 5.594 casos.
A SSP destaca ainda que não contabiliza como assassinato as ocorrências onde criminosos atacam a polícia e acabam não resistindo aos confrontos.
Ressalta que intensificou o combate às organizações criminosas. No primeiro semestre de 2023 a polícia prendeu 9.019 criminosos (média de 50 por dia), apreendeu 5,5 toneladas de drogas e 37 fuzis (número maior do que em todo o ano de 2022).
A SSP também segue com investimentos na ampliação dos efetivos. Pouco mais de dois mil novos policiais militares e bombeiros foram incorporados em 2023. A previsão, até o final de 2024, é de um acréscimo de 4.500 novos policiais e bombeiros.
Por fim, com relação às mortes em confrontos, a SSP salienta que tem investido em capacitação e inteligência policial, buscando sempre atuar na proteção da sociedade. Reforça que aqueles criminosos que atacam as forças de segurança, receberão resposta propocional e dentro da legalidade."
Maria Clara Andrade
Portal Terra / foto: PMJ