Jequieense, ex-combatente na Guerrilha do Araguaia, fala um pouco da sua história.
01/10/2009
Luzia Reis Ribeiro, nascida em Jequié, é uma ex-guerrilheira brasileira, militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e sobrevivente da Guerrilha do Araguaia. Recentemente concedeu entrevista ao Portal Vermelho. Segue abaixo a entrevista.
Militante do movimento estudantil em Salvador, cursou Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia, e passou a ser vigiada pela repressão por fazer parte do DCE da universidade. Impedida de trabalhar e de comparecer à faculdade, entrou para o PCdoB e foi enviada para São Paulo, junto com alguns colegas universitários que também integrariam a guerrilha.
Luzia Reis, hoje com 60 anos, relembra a vida difícil que teve no Araguaia e avalia a importância da Guerrilha do Araguaia na luta pela democracia no país.
A chegada
Em janeiro de 1972 chegou ao Araguaia com mais dois militantes, instalando–se na área de Caianos (TO), entre Xambioá e Marabá, onde trabalhou como agricultora junto com outros militantes. Teve aulas de doutrinação política com os comandantes da guerrilha, de tiro, orientação na selva e camuflagem.
"A nossa casa era sem parede e a cobertura era feita de folhas do açaizal. Dormíamos em redes e havia ainda o local fechado para armazenar os mantimentos”. A rotina no acampamento, segundo Luzia, era rígida. “Às seis horas da manhã a gente levantava e fazia cerca de 40 minutos de exercícios físicos, recuados na mata para não chamar atenção. Na volta, tomávamos banho nos igarapés e em seguida, a primeira alimentação do dia. Só então seguíamos para a distribuição das tarefas. Enquanto alguns iam para a roça juntamente com os moradores da região cultivar milho, mandioca, batata, por exemplo, outros cuidavam da caça e outros ainda cuidavam da cozinha”.
A prisão
Na volta de um dia de caça, a jequieense ouve um tiroteio perto do acampamento. Imaginando que seus companheiros que lá estavam haviam sido atingidos por tiros disparados pelos militares, Luzia se escondeu na mata. “Fiquei escondida por três dias e três noites e só então fui buscar ajuda na casa de moradores da região. Lá eles me deram água, comida e informações. Disseram que os seus companheiros tinham sido presos e pediram que eu voltasse no dia seguinte na mesma hora que eles iriam me ajudar”. Quando retornou, Luzia foi surpreendida. A casa estava cheia de militares e a combatente foi presa.
O inferno da tortura durou seis meses. “Fui presa, mas não tinha nenhum processo contra mim. Oficializar o processo era admitir a existência da Guerrilha do Araguaia. Eles não podiam assumir as atrocidades que cometeram com a gente. Negaram durante anos”, afirma.
Mesmo após libertada, o pesadelo da perseguição acompanhou Luzia. “Voltei para a casa dos meus pais no interior da Bahia. Durante anos, fiquei atordoada, fiz tratamento. As forças da repressão continuaram me perseguindo, iam até Jequié com ameaças, exigiam que eu me apresentasse mensalmente no Quartel da Mouraria. Não podia sair da Bahia e exigiram que eu assinasse documentos. Durante quase dois anos, fiquei em casa. É como se eu não existisse para a sociedade”.
O Papel das Mulheres na Guerrilha
“Valentes, corajosas, determinadas, centradas”. Estas são as características que Luzia aponta ao se referir às mulheres guerrilheiras. “Tivemos um papel importante neste cenário. Demonstramos que homens e mulheres podem estar de mãos dadas em qualquer luta. A força da mulher é tão grande quanto a do homem. Tínhamos uma relação de carinho e consideração, mas sempre com senso de igualdade. No Araguaia não tinha essa de sexo frágil”.
Os ensinamentos da Guerrilha
Aos 60 anos, Luzia trás consigo alguns ensinamentos da Guerrilha. “Hoje dou muito valor à vida. É preciso avaliar os erros, os acertos e tirar ensinamentos. O mundo hoje não é o mesmo e nem a política. A realidade nos mostra que há outras formas de luta” ratifica.
Questionada se voltaria a fazer tudo novamente, Luzia afirma: “Se fosse tudo naquela mesma conjuntura e tivesse as mesmas convicções, iria. Hoje minha luta é em prol do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (CEBRAPAZ). Considero imprescindível a paz mundial para o desenvolvimento dos povos e para a construção do socialismo”.
A influência da Guerrilha do Araguaia na construção da democracia brasileira
Luzia afirma que a Guerrilha foi um dos caminhos que os brasileiros tiveram que percorrer em busca de uma sociedade justa e democrática. “Os guerrilheiros abriram este caminho oferecendo suas vidas para construir uma democracia popular. A primeira etapa foi alcançada. Dizer que a morte desses heróis foi em vão é desconhecer a história e ignorar a realidade”, reforça. Segundo a jequieense, apesar de 34 anos do fim da Guerrilha, ainda se fala naqueles anos. “Sabemos que muito foi conquistado. Esta abertura política foi regada pelo sangue dos combatentes do Araguaia e de tantos outros que deram a vida por isso. A geração de hoje precisa conhecer essas pessoas que acreditaram neste sonho”.
Para Luzia, as transformações no Brasil e no mundo, exigem mudanças na forma de se fazer política, e ela tem consciência de que foi importante neste processo de transformação. “Também me sinto responsável por todas essas conquistas. Dei parte da minha juventude à luta pela democracia brasileira”.
Fonte:
Portal Vermelho
Entrevistadora: Carolina Campos
Fotos: Inácio Carvalho
Outras fontes: Wikipedia