E viva os tupiniquins! Um comentário sobre “Uma sinhazinha nos trópicos”. Por Renato Costa.
20/08/2011
Oi João, começando a ler seu artigo no “Espaço Aberto” do Jequié Notícias, ao dar na palavra tupiniquim de 500 anos atrás, fui em frente, por simpatia por esses índios. Como sabemos, uma das causas do rapto dos africanos ao Brasil foi que o índios (os tupiniquins igualmente, imagino isto, pois não tenho base histórica para argumentar o contrário) eram curiosos, hospitaleiros e ingênuos, mas não bobos para trabalharem escravizados aos conquistadores europeus e, quando não morriam nas epidemias adquiridas em contato com os brancos, fugiam sempre. Os conquistadores invasores, precisando de mão-de-obra de graça, acharam a melhor solução - para eles - na escravidão negra importada.
Eu tenho lá minhas dúvidas que esta servilidade, este puxasaquismo, esta vergonheira de ser brasileiro, esta supervalorização do estrangeiro americano, frances ou alemão tenha algo a ver logo com o tupiniquim pacífico, hospitaleiro, mas que não renega a própria origem. O resto deles, depois de 500 anos, ainda está resistindo culturalmente da maneira que pode, no meio da gente, no meio dos descendentes dos invasores, – até hoje.
A se este nosso Brasil, um país BRIC, o mundo todo olhando para gente, com esta classe média massacrada pelo próprio complexo de inferioridade, cheia de balangandãs do chamado primeiro mundo, com estas oligarquias retrógradas, subcultas, bajuladas e senadorificadas e com este povão surfando na onda da mídia que em grande parte parasita nas costas largas do povão; se este Brasil tivesse o espírito comunitário, a perseverança e a auto-confiança do meu tupiniquim ideal... A se fosse assim!
Segundo o que foi escrito em “Uma sinhazinha nos trópicos”, você assume a interpretação dos conquistadores que viam nos índios algo primitivo e inferior. Para a teologia católica da época os índios nem eram seres humanos, senão uma espécie intermediária antes dos animais. Como poderiam nossos “descobridores” portugueses virem os índios de outra forma? A aberração é usarmos até hoje os mesmos, ou pelo menos semelhantes critérios de interpretação do que é civilização ou do que é primitivo. Este saudosismo de ficar repetindo Oswald de Andrade é terno e carinhoso, porém é só isto. Eu morei em Jequié 10 anos e moro na Europa há 30 anos. Na Alemanha, onde vivo a maior parte do tempo, como em nenhum outro país europeu, percebi estes 500 anos de avanço cultural diante do Brasil. Bom, Oswald não se chamava Osvaldo.
Cultura não é só museu, universidade, tecnologia e fachada arquitetônica. Só para citar alguns aspectos referenciais; num papo com um persa, este me perguntou, qual era a capital mais antiga do Brasil. Eu lhe disse: “A minha Salvador, 500 anos.” E ele: “Só? Eu venho de uma cidadezinha de 2.500 anos, uma história fabulosa, masque não tem importância nenhuma para o mundo de hoje.” A lei da relatividade está por toda parte... Começamos a conversar sobre a correlação da cultura com a história. Como eu o conheço, ele nunca chegaria ao ponto de dizer que a Pérsia é mais culta que o Brasil. Seria bobagem demais para um sociólogo como ele.
Gostei do seu tom de indignação, mesmo que este tom esteja camuflado numa linguagem clássica de professor de literatura. O comportamento dos seus educandos servis é algo infelizmente corriqueiro, não somente na ex-colônia européia chamada Brasil: De um lado, pessoas curiosas, talvez admirando o europeu branco - “primeiro-mundo”, “ariano”, e do outro lado, ein unterbelichtetes Mädel - uma mocinha com certa debilidade, ou pelo menos prá lá de desinformada, dizendo não saber que haveria internet por aí. Afinal uma alemã aparentemente com falta de tato, um clichê dos alemães na Europa, mas que sabe muito bem usar da situação de ser paparicada. Os espanhóis, nada ex-colônia, passam constantemente por isso, especialmente na costa e nas ilhas espanholas, com hordas de alemães e ingleses, a nata da presunção, da alienação de massa e da grosseria européia. Uma longa tradição. Claro que não estou dizendo que todos são assim, há gente desta e da outra maneira, como em toda parte. Entretanto, isto revela mais uma vez como os nossos conceitos do que é cultura e civilização são voláteis. A geografia, no meu parecer, tem um papel ínfimo nisto. Talvez para você, como professor, vale à pena questionar isto com estes educandos, com pinta de vassalos, que adoram desenrolar tapetes para “seres superiores”, sejam estes estrangeiros ou brasileiros, pensando que através da proximidade com o idolatrado eles vão superar a própria inferioridade suposta. Isto sim, é que pobreza mental e cultural. A labuta neste terreno movediço João, tem pausas de descanso, mas parece não ter fim.
Desejo-lhe um bom trabalho em Jequié.
Renato Augusto Costa é Psicólogo Clínico, Psicoterapeuta, Coach de Orientação. Vive em Bremen, na Alemanha. Já morou na Itália, Portugal e Espanha.
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