Dominguinhos: não menos que um gênio. Por Abilio Mendes de Almeida.

08/08/2013

Não menos que um gênio. O maior sanfoneiro do mundo, e, sem sombra de dúvida, um dos maiores instrumentistas de todos os tempos deixou de bailar os seus dedos cósmicos sobre as teclas e os baixos e de comprimir e distender o fole desses instrumentos tão complexos chamados sanfona e acordeom. Estes, que para o grande mestre, já eram uma extensão do seu próprio corpo, agora, repousarão, espero, numa sala qualquer de um museu. Dominguinhos não era uma pessoa; era um acontecimento transcendental. Um fato raro, digno de aplausos calorosos e de olhares atentos que se viam embriagados pelo perfume que exalava de cada rítimo – sobretudo do forró, baião, xote e xaxado – executado de uma maneira tão graciosa e elegante. José Domingos de Morais era fino e preciso. Sem ter tido uma instrução teórica musical formal, ele desenvolveu as suas habilidades técnicas vendo outros grandes mestres tocarem, incluindo Luíz Gonzaga (O Rei do Baião). Mas esse assistir ao outro de nada serviria não fosse o seu talento inigualável para absorver rapidamente tudo o que lhe chegava aos ouvidos e oferecer ao seu público, em forma de música, um tipo de recriação. Não é a toa que ele conseguiu atrair a admiração e o respeito de grandes nomes da música instrumental, clássica e popular brasileira, como Luíz Gonzaga, Anastácia, Marinês, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Djavan, Lenine, Chico Buarque, Yamandu Costa, Maria Bethânia, Cauby Peixoto, Toquinho, Roberto Carlos, Hamilton de Holanda, Orquestra Jovem Tom Jobim, Orquestra Sinfônica da Paraíba, Orquestra Sanfônica de Terezina “Seu Dominguinhos” (criada em homenagem ao próprio), Orquestra Jazz Sinfônica, Orquestra de Sanfonas do Ceará, além de tantas outras orquestras e artistas espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Eu, que já havia desistido de escrever sobre qualquer assunto que pudesse soar como uma espécie de tentativa de conscientização da massa fui instigado pela própria natureza e força das circunstâncias a deitar a caneta sobre o papel para ratificar a importância desse grande músico e denunciar, da ocasião de sua morte, algumas injustiças cometidas pela grande mídia brasileria. A ida do nosso grande instrumentista, cantor e compositor (autor de algumas centenas de músicas, muitas delas em parcerias com outros grandes nomes da arte) coincidiu com a vinda do Papa Francisco ao Brasil, o que gerou na nossa mídia, sobretudo nos canais de televisão, e, especialmente, na “Rede Globo”, uma falta de senso de peso e medida. A toda poderosa – espero que por pouco tempo – Globo fez uma cobertura sobre a visita de Papa Chico que dificilmente será superada por qualquer outro país do mundo, inclusive, comprometeu, em alguns momentos, a sua programação normal. Por outro lado, levou ao ar umas matérias bem raquíticas – algo que tem virado moda na imprensa deste país – sobre a morte desse mostro sagrado conhecido por todos como Dominguinhos. De todas as matérias paupérrimas, a do programa Fantástico foi a pior. Uma notinha insignificante de alguns poucos segundos, sobre o inigualável gênio da música, extraída e aproveitada de uma outra matéria esportiva. Isto não é uma postura digna de uma das maiores emissoras de TV do mundo. Mas talvez eu esteja querendo demais não é? Afinal, tratava-se apenas de um nordestino. Os grandes centros econômicos, que se dizem desenvolvidos, sempre tiveram preconceito contra o Nordeste, o que demonstra um estado de acefalia generalizada por parte deles. Mais uma “pessoa” deixou de existir e isso para a imprensa televisiva brasileira parece não ter mais tanta importância. Há uma desconsideração nítida com a vida. Tristemente relembro uma famosa frase de outro gênio chamado Oscar Niemeyer: “O mais importante (...) é a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar”. Parece que muitas pessoas deixaram de entender o significado destas belas palavras do maior arquiteto da nossa terra. Dessa emissorazinha injusta e arrogante, nesse sentido, destaco a importância e o maravilhoso trabalho desenvolvido em prol da arte pelo apresentador Serginho Groisman. Este sim sabe valorizar a grandeza de uma existência rara como a de Dominguinhos e de tantos outros. Inclusive, fazendo belas homenagens em seu interessantíssimo programa “Altas Horas”. O “Sbt” (do maior animador de auditório da nossa terra, Silvio Santos) e a “Rede Record de Televisão” (do indigesto Edir Macedo) também se limitaram a algumas tímidas notas sobre o acontecimento. Fora desse rol de emissoras sem consciência cultural, louvo a competência da “TV Brasil” e afiliadas. A “TV Paraná” soube tratar o assunto com seriedade, exibindo um show do sanfoneiro ao lado de uma linda orquestra, bem como reapresentar o programa “Ensaio” gravado com o instrumentista Pernambucano. O meu triste consolo é ter a certeza de que todos esses imbecis da “mídia-mérdia” um dia tambem irão morrer, serão “reduzidos à ultrafatalidade de ossatura”, como bem disse o melancólico poeta Augusto dos Anjos, e, consequentemente, esquecidos. Felizmente, Jequié teve a honra de receber, por mais de uma vez, esse gigante da técnica e do improviso musical. As pessoas que foram, durante o São João, à “Praça da Bandeira” pôde se deliciar com a arte e a simpatia de Dominguinhos. Certamente seria mais saudável não ter a consciência de todos esses fatos, como diria Bernardo Soares (semi-heterônimo de Fermando Pessoa): “É de compreender que sobretudo nos cansamos. Viver é não pensar” [e ainda]: “Ao homem superiormente inteligente não resta hoje outro caminho que o da adbicação”. Voltarei às minhas páginas em branco e pretendo continuar a não mais escrever, a não ser que algo de extraordinário volte a acontecer e que esse algo me inflame de tal forma que eu não consiga ficar longe das reflexões. A minha desilusão com as palavras continua: este texto não é uma tentativa de conscientização; é apenas uma emoção. Abilio Mendes de Almeida (Professor) 05/08/2013