As Idiossincrasias da Televisão. Por Lucas Ribeiro.

16/02/2012

O poder de penetração da televisão na sociedade brasileira é impressionante. É óbvio que esse não é um dado que se restringe apenas ao nosso país, contudo, vale ressaltar, que aqui, os efeitos dessa realidade parecem ser ainda mais nocivos. Segundo estimativas do IBOPE, nossas crianças compõem o segmento mais significativo de expectadores. Jovens entre 8 e 14 anos representam o maior percentual do público das telenovelas, incluindo as exibidas em horário nobre, em geral, com classificação inadequada para essa faixa etária. Cerca de 98% dos lares brasileiros dispõem de pelo menos um aparelho de televisão. A programação do canal de maior audiência do país abrange quase 100% do território nacional. Nos momentos de maior audiência, cerca de 150 milhões de pessoas estão diante de um aparelho de televisão. Os expectadores brasileiros assistem uma média de 3 a 4 horas de tevê por dia, em contraponto, apenas 8% das cidades brasileiras dispõem de uma sala de cinema. Grandes organizações como a Rede Globo e a Rede Record detém, ainda que de maneira ilegal e abusiva, um conglomerado de empresas que controlam todos os outros segmentos da comunicação: Jornais impressos, sites de noticias, rádios, revistas impressas e eletrônicas, sem falar da inserção dessas empresas no segmento político e religioso deste país. É impossível não reconhecer a força com que essas duas empresas regem a opinião pública do Brasil, alijando o poder de influência de outras instituições, como a escola e a família. É bom que saibamos: o The New York Times é apenas um jornal, a CNN nada mais do que um canal de Tevê e a Rolling Stone uma revista de arte. Não é permitido a essas empresas atuarem em mais de um segmento, logo, não existe um canal de tevê do The New York Times ou uma radio do Time Magazine. No Brasil, contudo, uma única empresa como a Rede Globo, atua em todos os segmentos da comunicação, usando seu enorme poder econômico para oprimir, manipular e cercear o direito de expressão de outros grupos que apresentam posições divergentes a sua. Os poucos proprietários dos grandes conglomerados de comunicação do Brasil sabem que é bastante compreensível que num país onde a grande maioria das pessoas tem pouco ou nenhum acesso a bens culturais e/ ou a uma educação de qualidade, a TV goze de considerável poder de penetração e exerça grande influência sobre opiniões, crenças e visões de mundo das pessoas. Nesse sentido, eles fazem uso desse potencial para manter-se a frente nos indicadores de audiência, ampliar seus lucros e participar ativamente da luta política, desempenhando um papel decisivo na infra-estrutura da globalização e na “mundialização” do imaginário e do ideário neoliberal de desregulamentação do mercado e deslegitimação do espaço e dos serviços públicos. A crise de significações e de valores que abala a modernidade, a procura tortuosa e incansável por novas legitimidades que ainda hoje continuam a se ocultar, fez da televisão, uma das mais importantes referências para auxiliar o processo de constituição da personalidade e de formação do caráter comportamental de homens e mulheres que vivem em sociedade. Como bem aponta Motter (2004) os mesmos atores que contracenam nas telenovelas, são escalados para os comerciais veiculados em seus intervalos, assumindo as características de seus personagens. “Desta maneira, eles se revestem de autoridade” e tem seus discursos credenciados, ou seja, eu diria, eles passam a ter um suficiente poder de alienação que se converte em notoriedade social. Um novo imaginário do corpo, luxuriante, invadiu a sociedade e nenhuma região da prática social pode sair ilesa das reivindicações que se desenvolvem a partir da efemeridade e da urgência dos conceitos éticos e estéticos da mídia televisiva. Assim, como o modo que concebemos e interpretamos a nossa cultura se revela como uma ferramenta ideológica poderosa que responderá as demandas sociais de cada contexto histórico, pode-se afirmar que o poder imagético da tevê transgride as “normas” de relação entre emissor e receptor atualizando nossos desejos a revelia de nossa consciência, nos fazendo de meros reprodutores de suas legendas, o que, nesse aspecto, transforma nosso corpo numa espécie “placa comercial” móvel e orgulhosa. O fato é que, os conteúdos que são transmitidos pela televisão e todo seu apelo ao consumo são temas pouco ou quase nunca discutidos na maioria das famílias e das escolas. Nessa linha, comportamentos, tendências, e os modos de viver nos dias atuais e as suas possíveis relações com a programação televisiva não podem ser analisados sem se contextualizar a forma como se regula, se mantém e se organiza o mundo. Outrossim, a família e a escola deixam de dar vazão a temas relevantes da ordem social para sublimar suas angustias em debates radiantes sobre a desgraça Big-Brother ou o nefasto, tedioso, deprimente, chulo e performático “Se Liga Bocão”, não vamos falar do “Pânico na TV”, pois para este não encontrei adjetivos adequados, apenas similares como o “Vídeo Show”, “Malhação”, “Rebeld”, “Estrelas” e o indefinível “Programa da Hebe”... todos, comandados por seres enviados do inferno. Infelizmente o tempo de permanência de nossas crianças na escola ainda é inferior ao desejável e as atividades culturais e esportivas estão, em geral, restritas as classes de maior poder aquisitivo. Isso faz com que nossos jovens tenham uma intensa relação com a produção audiovisual, o que corrobora para a construção de valores e identidades muitas vezes desvinculada da realidade, legitimando assim, o progressivo processo de descaracterização de nossa cultura, e de todos os outros aspectos que nos vincula a uma história que é ao mesmo tempo constituinte e emancipadora. A uma historia que é nossa, mas que a tevê tenta a todo custo negligenciá-la a favor de seus interesses. Pesemos no que diz o genial extraterrestre, Caetano Veloso: Santa Clara, Padroeira da televisão Que a televisão não seja o inferno, interno ermo, Um ver no excesso o eterno quase nada (quase nada) Que a televisão não seja sempre vista Como a montra condenada, a fenestra sinistra Mas tomada pelo que ela é De poesia. ... Possa o vídeo ser a cobra de outro Éden Porque a queda é uma conquista E as miríades de imagens suicídio Possa o vídeo ser o lago onde Narciso Seja um Deus que saberá também Ressuscitar. ... Possa o mundo ser como aquela ialorixá A ialorixá que reconhece o orixá no anúncio Puxa o canto para o orixá que vê no anúncio No coubói no samurai no moço nu na moça nua No animal na cor na pedra vê na lua vê na lua Tantos níveis de sinais que lê E segue inteira. Lucas Ribeiro Estudante de psicologia do 8º semestre.