Agora passeando por outros caminhos, documentarista Dado Galvão, conversa conosco sobre ativismo no ciclismo. Clique e saiba mais.
27/03/2021
JN: Você é conhecido pela atuação no audiovisual, principalmente no
contexto sociológico. Atualmente está mais ligado ao ciclismo com um
foco ativista. Conte um pouco dessa nova etapa da sua vida.
Dado Galvão: Devido aos reflexos da pandemia, paralisamos nossas atividades de campo da
missão humanitária e cultural, a Missão Ushuaia ( www.MissaoUshuaia.org ),
que é um projeto de documentário e ativismo que trabalha questões
relacionadas aos refugiados venezuelanos e o exercício da cidadania
MERCOSUL, com foco na situação sociopolítica da Venezuela. Nossa missão
é reconhecida através da declaração (39/2019) do PARLASUL (Parlamento do
MERCOSUL), como de interesse cultural e humanitário.
Paralelo aos trabalhos da Missão eu já tinha o hábito de pedalar, mas essa
conexão entre o ciclismo e a técnica fotográfica é fruto de uma especialização
em fotografia, que me fez pensar sobre o olhar do ciclista, como ele enxerga os
lugares pedalando e a sua relação com esse ambiente que percorre. A partir
daí criei o movimento Ciclo-Olhar, no qual analiso esses registros que podem
ser acessados no blog www.CicloOlhar.blogspot.com onde partilhamos fotos
enviadas dos ciclistas de todo o Brasil no instagram @CicloOlhar.
Ser um ativista no ciclismo para mim é algo inevitável, pois quando você pedala
e se depara com as dificuldades da cidade e da mobilidade não tem como ficar
calado, é necessário chamar atenção dos governos e poderes para essa
questão, que precisamos do mínimo de segurança, dignidade que pode ser
através da implantação de ciclo faixas, placas de sinalização e promoção para
conscientização dos motoristas. Mostrando que o ser ciclista vai além da
pessoa que faz a pratica como hobbie sozinho ou em grupo, mas é também
aquela pessoa que usa a bicicleta para trabalhar, mostrar que se o trânsito é
seguro para o ciclista, é seguro para todos.
JN: É possível unir a câmera e a bike?
Dado Galvão: Sim, a bicicleta é universal, está presente na casa das mais diversas classes
sociais, é uma ferramenta de pontes porque aproxima realidades diferentes,
assim como é a experiência fotográfica e as suas infinitas manifestações.
Com o movimento Ciclo-Olhar já produzimos o documentário Rodas da
Liberdade, sobre Andréa, uma mulher que tem uma deficiência e utiliza um
triciclo adaptado para se locomover, no vídeo ela fala como esse veículo trouxe
mais autonomia na sua vida. Também fizemos um trabalho chamado Ciclistas
na cidade de placas de papelão, com Jil Bike, uma cicloativista que espalhou
essas placas como uma forma de conscientização e busca por melhorias para
os ciclistas. Esses e outros materiais estão disponíveis nos links abaixo.
Rodas da Liberdade
https://revistabicicleta.com/atitude/rodas-da-liberdade/
Os Refugiados e o natal.
http://cicloolhar.blogspot.com/2018/06/cicloolhar-refugiados.html
Chega de Violência e extermínio de seres humanos!
https://cicloolhar.blogspot.com/2016/01/registra-maior-numero-de-mortes.html
Ciclistas na cidade de placas de papelão
https://revistabicicleta.com/destaque/ciclistas-na-cidade-de-placas-de-papelao/
O olhar humanizado por meio do ciclismo
https://revistabicicleta.com/diversos/o-olhar-humanizado-por-meio-do-ciclismo/
JN: A prática esportiva com a bicicleta, seja para passeio ou competição
está em alta no nosso país. Como você enxerga essa prática no contexto
da nossa cidade relação ao trânsito e sua mobilidade?
Dado Galvão: “Pedalar é um ato político”, como afirma o escritor Chris Carlsson.
Então, a bicicleta não deve ser vista apenas como uma prática esportiva ou de
lazer. Andar de bicicleta vai muito além, é uma subcultura com infinitas
possibilidades de expressão e mobilidade, representando localismo e ao
mesmo tempo universalidade, ritmo mais humano, interação cara a cara,
autossuficiência, preservação e promoção do bem comum.
Em Jequié, infelizmente não existem políticas públicas para o ciclismo, não
temos nem o básico, que seriam placas educativas, preventivas e pedagógicas
colocadas nas principais avenidas e ruas da nossa cidade. O executivo e
legislativo local passaram anos sem enxergar centenas de jequieenses que
utilizam a bicicleta como meio de transporte principal para ir ao trabalho e
realizar outras atividades.
Ciclistas precisam enxergar ciclistas. É necessário que os grupos de ciclismo
local exerçam papel coletivo de cidadania e pressão social, exigindo políticas
públicas, leis, incentivo para os usuários de bicicletas, com ou sem uniforme,
com ou sem capacete, da barra circular ao carbono, da fábrica ao ciclotursimo,
do operário ao doutor. A magrela está em todos os lares e desconhece
fronteiras. O poder de mobilização existente nos coletivos de pedais deve estar
a serviço do bem comum de todos os ciclistas e da cidade, se assim não
acontece, ficaremos a cada pedalada distantes da cidadania.
JN: Muitos motoristas não respeitam o distanciamento do ciclista, além de
realizem manobras perigosas próximos aos praticantes desses esportes.
Como você acredita ser a melhor forma de conscientizar essas pessoas?
Dado Galvão: É preciso um trabalho mais intenso de base na formação dos futuros
condutores e nas reciclagens também. Para que os motoristas vejam a bicicleta
no trânsito como um veículo que também precisa ter seu espaço respeitado.
Acreditamos que se existir vontade do poder executivo e dos 19 vereadores e
suas assessorias, podemos nos expirar na Holanda e outros países da União
Europeia, e levar a bicicleta e sua subcultura para o ambiente escolar
municipal.
Recentemente fomos contemplados no Edital “Resistência Cultural” da lei de
incentivo financeiro aos artistas, Aldir Blanc, com recursos do Ministério do
Turismo, Secretaria Especial da Cultura, e fiscalização da Prefeitura de Jequié.
Apresentamos o projeto, Ciclo-Olhar: cinema documentário, fotografia e a
subcultura da bicicleta. Iremos levar no pós-pandemia para duas escolas
municipais na sede do município e duas escolas nos distritos, a exposição
fotográfica do acervo @cicloolhar, vídeos produzidos pelo nosso movimento,
realizaremos um concurso de redação que terá como premiação duas
bicicletas e dois capacetes, com acessórios de segurança. Estamos
aguardando orientações da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, para
saber como e quando iremos executar o projeto devido aos efeitos provocados
pela pandemia.